Quais são as reais chances ao dia de hoje, 14 de Outubro de 2016 desses diversos conflitos paralelos escalarem para uma "Guerra Mundial"?


O ex-Líder da União Soviética Mikhail Gorbachev disse à imprensa esta semana que acreditava que os países envolvidos no conflito sírio deveriam abandonar as atuais hostilidades e voltar ao diálogo.


O que começou como um conflito regional para depor o Presidente Bashar Al-Assad vem, rapidamente, escalando de forma vertiginosa e envolvendo cada vez mais diferentes atores. Não existe uma declaração formal de guerra entre os países que estão dando suporte ao regime oficial na Síria (nomeadamente Rússia, Irã, Turquia e China) contra Estados Unidos e seus aliados europeus que estão, do outro lado, dando suporte às milícias rebeldes que lutam contra o Governo sírio. Há, ainda um terceiro bloco no conflito que é o grupo terrorista Estado Islâmico, que em teoria é o inimigo comum dentre todos os envolvidos.

Há algumas semanas, O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov e o Secretário-de-Estado Americano John Kerry haviam definido as bases para um acordo de cessar-fogo na Síria. Dias depois de definirem este compromisso, a força aérea americana bombardeou alvos do exército oficial da Síria, deixando mais de 60 soldados mortos e centenas de feridos no que o Pentágono classificou como um engano terrível.

Em seguida, um comboio humanitário que seguia para Aleppo foi atacado e destruído: os Estados Unidos afirmam que o ataque foi executado por aviões russos e os russos afirmam que não havia nenhum avião russo voando na hora do ataque e culpa rebeldes sírios pelo ataque. Nenhum dos lados apresentaram evidências para as suas alegações. Sob a alegação de que o comboio foi efetivamente atacado pelos russos, Estados Unidos, França e Reino Unido passaram a subir o tom de suas declarações contra a Rússia, pedindo que o país seja punido por crimes de guerra.

Suspensão do acordo de eliminação de plutônio para armas nucleares

Com a subida das tensões na Síria, no último dia 03 de Outubro Vladimir Putin decidiu, unilateralmente, suspender um acordo firmado entre Rússia e Estados Unidos em 2000 que previa a eliminação, por parte de ambos países, de plutônio enriquecido que poderia ser usado para fabricação de armas nucleares. O acordo previa a eliminação por parte dos dois países de cerca de 34 toneladas de plutônio, cada um, através de incineração.

De acordo com o Departamento de Estado Americano, a quantidade combinada de 68 toneladas de plutônio seria suficiente para produzir cerca de 17.000 ogivas. O acordo havia sido ratificado em 2010.

No decreto enviado ao Parlamento, Putin disse que a Rússia teria de tomar medidas urgentes para defender a segurança do país e definiu as condições para que o acordo pudesse ser retomado:

Redução da infraestrutura militar e tropas americanas em países que se juntaram à OTAN depois do ano 2000
Retirada das sanções econômicas contra a Rússia e cidadãos russos, bem como reparação das perdas ocasionadas pelas mesmas sanções
As condições colocadas por Putin para retomada do acordo foram impostas justamente para que o acordo não possa ser retomado, pois a Rússia sabe que os EUA e a OTAN não relaxarão sua posição com relação a posicionamento de mísseis balísticos na Europa e baterias anti-mísseis em países como Polônia, Romênia e, possivelmente, também nos Países Bálticos.

O papel do Irã no conflito 

A participação do Irã no conflito sírio é, por vezes, ignorada ou não compreendida. Apenas para contexualizar, até maio deste ano o exército regular iraniano havia perdido em combate cerca de 700 soldados e oficiais de seu efetivo na Síria. Dentre eles, oficiais de alta patente que atuavam em território sírio lado-a-lado com o exército regular sírio.

O Irã também havia permitido em Agosto o uso da base de Hamedan por parte da força aérea russa para lançar ataques aéreos contra os rebeldes sírios, mas acabou voltando atrás da decisão alegando que a Rússia estava fazendo "propaganda demais" em cima do fato.

Fato sabido é de que a participação do Irã no conflito na Síria é muito mais profundo e intrincado do que o próprio país deixa transparecer, sendo que este usa forças regulares do exército no país além de financiar forças de mercenários estrangeiros que lutam ao lado do exército sírio.

China

A China, além de também estar envolvida no conflito sírio através de apoio logístico, também está envolvida em outro conflito de maior magnitude: a questão das ilhas do Mar do Sul. Esta semana, oficiais chineses declararam que a China está aumentando o seu contigente naval para proteger os interesses chineses na Região, nomeadamente as ilhas que estão em disputa territorial.

No atual panorama, os chineses estão reclamando boa parte do Mar do Sul e passaram a construir ilhas artificiais onde pretendem construir bases militares e baterias anti-aéreas. Resoluções da ONU já haviam determinado a suspensão de tais atividades, mas foram ignoradas pela China que segue reforçando suas defesas na região e aumentando sua presença naval. Estados Unidos enviaram navios de guerra para posições próximas à área em disputa.

Nas últimas semanas os chineses vem repetidamente posicionando-se na imprensa, pedindo cautela tanto dos Estados Unidos quanto da Austrália (que vem criticando os movimentos chineses na região).

Rússia e China assinaram protocolos de cooperação militar, incluindo naval, e em Setembro haviam executado exercícios conjuntos no próprio Mar do Sul, simulando cenários de guerra. Os exercícios duraram 8 dias simulando diversos cenários bastante parecidos com o cenário atual e foram classificados como um sucesso por ambos os países.

Em outra área, próxima da Coréia do Sul, navios chineses vêm seguidamente invadindo águas coreanas para pescar ilegalmente ou apenas de passagem mas sem autorização deste país. Ontem autoridades coreanas avisaram aos chineses que passarão a dar ordens para que a guarda costeira da Coréia afunde quaisquer barcos ou navios chineses que invadam águas coreanas.

As Coréias

A Coréia do Sul passou a considerar solicitar aos Estados Unidos mover novamente arsenal nuclear para as bases americanas no país dados os recentes sucessos dos testes nucleares executados pela Coréia do Norte. Tanto os exercícios com mísseis balísticos de longo alcance, tanto os testes nucleares que se revelaram efetivos, são motivo de grande preocupação na região não somente para a Coréia do Sul, como também para o Japão, pois os mísseis testados pelos coreanos do norte poderiam facilmente atingir o Japão.

Ambas as coréias, nas últimas semanas subiram o tom de suas declarações com os coreanos do sul dizendo inclusive, em Setembro, que poderiam tentar o assassinato do líder norte-coreano caso isso seja necessário para evitar uma guerra.

Yemen e Líbia

O conflito entre o Yemen e a Arábia Saudita segue em andamento, com alegações do Yemen que países como o Reino Unido têm vendido armamento e equipamentos para os sauditas que vem sendo utilizados no conflito naquele país. Seguidamente a Arábia Saudita vem atingindo diretamente alvos civis no país, sem nenhuma retaliação por parte das Nações Unidas ou de seus alidaos.

Na Líbia também existem conflitos em andamento entre o Estado Islâmico e as forças armadas Líbias com apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido. O conflito na Líbia ainda não escalou a grandes proporções mas pode se tornar o novo flanco de ataque e mobilização do EI dado às suas recentes derrotas tanto no Iraque quanto na Síria. Existe a previsão de que o grupo terrorista decida mover logística e milicianos para a Líbia para ganhar território neste país.

Conclusão 

Existem diversos  pontos de conflito acontecendo ao mesmo tempo ao redor do mundo envolvendo quase sempre os mesmos atores principais. A Síria tem se tornado claramente um confronto indireto entre Estados Unidos e Rússia (como foram os conflitos do Vietnam e Afeganistão nos tempos soviéticos).

É clara a intenção de Moscou de mostrar musculatura e não ceder com relação às suas posições, principalmente depois do posicionamento de tropas da OTAN nos Países Bálticos e o crescente movimento de baterias anti-mísseis no Leste Europeu. A principal queixa do Kremlin é que equipamentos que são, teoricamente para defesa, podem facilmente ser convertidos em equipamentos de ataque e atingir o território russo. Como contra-ofensiva, os russos reforçaram também suas baterias e mísseis no território russo de Kaliningrado (no meio da Europa).

O envolvimento dos Estados Unidos em conflitos em diferentes partes do mundo com a crescente subida de tom ameaçador principalmente na Síria contra a Rússia e no Mar do Sul da China deixa no ar qual seria o posicionamento de uma eventual administração de Hillary Clinton. Clinton seguidamente vem acusando a Rússia de tentar influenciar as eleições americanas a favor de Donald Trump e culpou os russos pelo vazamento de informações sobre ela e o Partido Democrata para o WikiLeaks.

Quais são as reais chances, ao dia de hoje, 14 de Outubro de 2016 desses diversos conflitos paralelos escalarem para uma "Guerra Mundial"? Diversas análises denotam a baixa probabilidade disso acontecer, envolvendo um ataque direto dos Estados Unidos à Rússia e vice-versa.

Em contrapartida, é tangível um escalonamento ainda maior das tensões na Síria. Caso não sejam retomadas conversas conciliatórias naquele conflito, por conta da presença de diferentes atores e da falta de comunicação entre todos os envolvidos, existe um altíssimo risco de um "acidente": um avião russo derrubado por americanos ou um avião americano ou britânico derrubado por russos tornar-se a justificativa para um engajamento direto de tropas terrestres em solo sírio.

Assustadora, também, é a inabilidade das Nações Unidas de atuar em seu papel mediador (que é uma de suas principais missões em seu charter) para tentar encontrar uma solução para o conflito sírio. Com a entrada do novo Secretário-Geral à partir de Janeiro, deverão ocorrer mudanças neste sentido, pois o português António Guterres já declarou ontem, após eleito, que a situação na Síria era seu principal desafio.

Pouco provável, portanto, que vejamos nos próximos 2 meses uma mudança drástica da situação atual, tanto para melhor quanto para pior, mas o panorama pode se modificar a qualquer momento baseado em más decisões de qualquer um dos lados envolvidos nos diversos conflitos paralelos.

Guilherme Schneider é colaborador internacional do Sul Connection
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